É com um título repleto de simbolismo que Plutônio regressa aos discos, para mais um capítulo da história iniciada em 2013 com Histórias da Minha Vida . Desde então, seguiram-se Preto & Vermelho (2016) e Sacrifício: Sangue, Lágrimas & Suor (2019), que confirmaram o rapper de ascendência moçambicana, natural do Bairro da Cruz Vermelha, em Cascais, como uma das figuras atuais de proa do hip-hop nacional.
Carta de Alforria ("alforria" de origem árabe, que significa "liberdade"), funciona assim como uma espécie de metáfora para o atual período da vida segundo de Plutônio, que, o próprio, se apresenta agora livre dos muitos obstáculos e sacrifícios tantas vezes presentes sua vida passada e, portanto, completa e finalmente autônoma para se dedicar em exclusivo à arte. Um sentimento bem patente no tema que serve de introdução ao álbum, “País das Maravilhas”, no qual o rapper faz uma espécie de balanço do seu percurso, por vezes nem sempre o mais óbvio, mas sempre com o azimute virado para o rumo certo – “fiz muitos quilómetros, mas agora estão a milhas, acelerei de mais, mas não perdi a direção”.
De facto, poucos se podem gabar de ter chegado onde Plutónio chegou, tornando-se, por direito próprio, numa das vozes mais fortes do actual rap português. Mas agora é tempo de seguir em frente, rumo a um novo e cada vez mais brilhante futuro, como se compreende pelo nome escolhido para este muito aguardado quarto de álbum original, que marca o início de uma nova fase da carreira e terá como um dos pontos mais altos a estreia, em nome próprio, na maior sala de espetáculos do país, a Meo Arena, marcada para 28 de fevereiro de 2025.
E se já antes Plutónio se havia afirmado como um artista livre, nunca enredado em falsas fronteiras estilístico-musicais, agora eleva essa fasquia ainda mais alta, moldando os três géneros que lhe são mais caros, hip-hop, trap e RnB, para os transformar num estilo cada vez mais reconhecível como o seu. Para isso muito interessantes, também, as temáticas abordadas no disco, através de canções mais pessoais e introspectivas, mais inspiradoras e viradas para fóruns ou simplesmente mais diretas e de crítica social assumida.
Tal como a vida, trata-se de álbum ora alegre ora triste, que oscila entre momentos de serenidade e outros de maior intensidade, registrando momentos de submissão, mas também de revolta. E este será talvez o melhor elogio que se pode fazer a Carta de Alforria , um trabalho só possível de concretizar por um artista assim, cada vez mais maduro e seguro de si.